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A Comissão Parlamentar de Inquérito à luz do Sistema Constitucional de 1988

Data: 06/05/2015 16:00

Autor: Felipe Amorim Reis

imgTendo em vista às denúncias de corrupção no governo e operações da Polícia Federal, bem como as prisões e delações de vários empresários e agentes políticos, temos acompanhado na imprensa nacional e local as criações pelo Poder Legislativo das Comissões Parlamentares de Inquérito.

No atual sistema constitucional, fora estabelecido a tripartição dos poderes conforme teoria desenvolvida no século XVIII pelo Monstequieu. Além do sistema check and balance, freios e contra pesos dos poderes da república.

No atual Sistema Constitucional o país alcançou as liberdades democráticas como por exemplo, a liberdade de imprensa, o direito de ir e vir, o direito de propriedade, do devido processo legal, da ampla defesa e  o contraditório etc.

A Carta Cidadã de 1988 tem proporcionado ao longo do período a instabilidade institucional, econômica e social do Brasil. Nunca antes na história desse país ocorreu o afastamento de um presidente da república eleito democraticamente pelo voto direto como no caso do Presidente Collor de Mello, além de Senadores da República afastados ou cassados e presos em razão da corrupção.  Sem falar que o maior escândalo de corrupção de compra e votos de parlamentares do Congresso Nacional foram desbaratado pelo Ministério Público e condenado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 , num claro ato de independência e autonomia dos Poderes da República.

Neste contexto surge, como meio de garantia da ordem constitucional e do Estado Democrático de Direito, as Comissões Parlamentares de Inquérito.

A Constituição Federal de 1988 estabelece, que o Poder Legislativo, no uso de seus poderes constitucionais, como Poder representante legítimo do povo brasileiro, a permissão constitucional para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito, consoante podemos inferir no art.58 parágrafo 3º assim previsto:

“As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, em conjunto, ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado, e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.

Neste sentido as Comissões Parlamentares de Inquéritos, à luz do sistema constitucional em vigor servem para fiscalizar os Poderes constituídos na prática de tais ilícitos civis e criminais.

Pois, uma das funções constitucionais do Poder Legislativo, além de da atividade legiferante, é também o de fiscalizador através de seus órgãos competentes, como os Tribunais de Contas bem como o próprio Parlamento.

Em sendo assim, é conferido os “poderes judiciais” às Comissões Parlamentares de Inquéritos, podendo inquirir testemunhas, intimar autoridades denunciadas e até, dependendo do caso em concreto, decretar prisão.

O Constitucionalista português J.J. Canotilho  preleciona no sentido de que:

“A função fiscalização da AR (Assembleia da República) é a mais extensa do que a função de controlo político do Governo. A AR exerce uma vasta função fiscalizadora que vai desde  o controlo do cumprimento da constituição e a apreciação dos actos de Governo, até a fiscalização dos estados de necessidades constitucionais”.

Desta forma, na mais clara concepção de democracia, é respeitar o direito da minoria.

Nestes termos o Supremo Tribunal Federal já sedimentou o direito subjetivo da minoria para a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito:

“Uma faz mais notáveis disposição de nossa Constituição, procurando suprimir a tirania das maiorias parlamentares, e assegurando a livre expressão e influencia de todas as aspirações legítimas que surjam no país e tendam ao bem público. Sem isso o governo dotado não é democrático. No regime democrático a CPI é instrumento válido e eficaz para a investigação e fiscalização das minorias parlamentares. Por esta razão, sua criação não pode ser obstacularizada pela maioria parlamentar. Caso o requerimento da minoria qualificada, preencha os requisitos constitucionais, deve ser aprovado ainda que a maioria com ele não concorde. O disposto na norma comentada afasta a regra segundo a qual as deliberações do parlamento são tomadas pela maioria. A CF 58§3º retira 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal a possibilidade de votar contra a criação e não há evidentemente poder de deliberar para que não pode dizer não”.( Voto do Min. Moreira Alves, STF, Pleno, Rp 183-6-PB J. 3.10.1984, v.u.)

No cenário nacional, acompanhamos a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigação dos desvios ocorridos na Petrobras, já no âmbito estadual, foi criada a CPI para a investigação sobre a “sonegação fiscal” no Estado de Mato Grosso.

O Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso recetentemente, atendendo pedido de um Parlamentar Estadual acertadamente deferiu a este o ingresso como membro titular na Comissão Parlamentar de Inquérito para investigação das “renuncias fiscais”, cujo trecho do voto abaixo colacionado:

“Pois bem. No caso dos autos, tem-se que o fumus boni iuris encontra-se evidenciado, a teor do art. 58, § 1º, da CF e art. 375, parágrafo único, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa deste Estado, para a composição das comissões parlamentares de inquérito, deve ser assegurada, sempre que possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos partidários.

Extrai-se dos citados artigos:

"Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

§ 1º - Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa";

"Art. 375 (...)

Parágrafo único: Para a comissão da CPI será garantida a participação do autor do requerimento, aplicando-se para as demais vagas o critério da proporcionalidade".

Sobre a proporcionalidade nas comissões, insta trazer à colação ensinamento de Celso Ribeiro Bastos:

"A proporcionalidade alça-se a um autêntico princípio na composição dos órgãos parlamentares. É que sendo estes representativos do povo, segundo os diversos matizes e interesses que o compõem, não podem deixar de refletir nos órgão resultantes de blocos parlamentares essas mesmas segmentações existentes no seio de cada uma de suas Casas. Se assim não fosse, seria ignorar por completo a natureza partidária do nosso regime representativo. Os parlamentares devem, simultaneamente, lealdade aos seus eleitores, mas também aos partidos sob cujas legendas foram eleitos." , (Comentários à Constituição do Brasil, Ed. Saraiva, São Paulo, 1995, p. 260).

Sobre o assunto, em casos análogos, este Órgão Fracionário já se posicionou:

“RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - CÂMARA MUNICIPAL - COMPOSIÇÃO DE CPI -PROPORCIONALIDADE PARTIDÁRIA - RESOLUÇÃO N.º 31/02 -OFENSA À NORMA INSERTA NO ARTIGO 54, § 1.º DO REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ - ARTIGO 86 DA CF - PRESENTES OS REQUISITOS DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA - DECISÃO CASSADA - RECURSO PROVIDO.
Uma vez existindo regulamentação expressa no artigo 54, § 1.º do Regimento Interno da Câmara Municipal, assegurando a composição proporcional partidária na CPI dos representantes das bancadas que integram o legislativo municipal, mostra-se ilegal a resolução que desobedece a norma, autorizando, por conseguinte, a concessão da segurança pleiteada, ante os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.” (AI 20673/2002, DES. MUNIR FEGURI, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 10/02/2003, Publicado no DJE 25/02/2003)
Daí, à Assembleia no ato de constituição da CPI impõe-se a observância ao princípio constitucional da proporcionalidade partidária, garantindo-se a participação pluripartidária disposta também no mesmo Texto Constitucional e levando a efeito o próprio Estado Democrático de Direito. Cumprindo-se à risca o princípio da proporcionalidade partidária, estar-se-á, consequentemente, observando os princípios da legalidade, da imparcialidade e da transparência dos atos administrativos praticados por referida CPI.
Tendo em vista os preceitos legais supracitados, observa-se que a CPI em comento não está constituída de forma proporcional. Demais disso, não há necessidade de ser perito em cálculos para se verificar que a proporcionalidade não restou observada, uma vez que o partido com maior número de Deputados na Casa, o PR, não tem nenhuma cadeira permanente na Comissão Parlamentar de Inquérito, em afronta ao preceito inserto no § 1º do art. 58 da Constituição da República.
No caso dos autos, de uma forma superficial, pode se concluir que, considerando que o número de membros da CPI deve ser de 05 deputados, é necessário dividir o número de componentes da CPI pelo número de deputados, no caso, 5/24, obtendo como resultado o quociente partidário igual a 0,208.
(...)
Em sendo, assim, a CPI em comento, por não estar composta de forma correta, não pode praticar ato algum, sendo que todos os atos praticados encontram-se eivados de nulidade absoluta.
Do mesmo modo, o periculum in mora encontra-se comprovado, visto que a Comissão foi constituída pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias (fl. 34), cuja decisão foi publicada em 20/03/2015, e já foi dado inícios aos trabalhos de investigação.
Não é despiciendo, ainda, dizer que o ato administrativo praticado com vício de legalidade é passível de anulação pelo Judiciário, a despeito de ser ato de competência desta comissão - longa manus da Assembleia Legislativa -, donde todos os atos praticados pela CPI são nulos de pleno direito, posto que, repita-se, ignoraram-se os princípios da legalidade e da proporcionalidade partidária atinentes à constituição de comissão.
No particular, faz-se remissão ao inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República, de cujo texto se extrai a assertiva de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Destarte, conclui-se que havendo ameaça a direito, como no caso em comento, se a situação ora analisada permanecer, cabe ao Poder Judiciário a apreciação da contenda, para fins de evitar hostilização às normas jurídicas.
(...) (Rel. Desembargadora Nilza Maria Possas de Carvalho. 
TURMA DE CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO. Número de Protocolo 52696 ano 2015. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico/TJMT, edição nº 9527, em 05/05/2015).

Com efeito, no sistema constitucional em vigor, é imperioso que as Comissões Parlamentares de Inquéritos investiguem e apurem os desmandos dos investigados para que sejam as conclusões encaminhadas ao Ministério Público, que com respeito às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, caso comprovada a culpabilidade, haja consequente punição no rigor da lei, para que o país e a sociedade brasileira seja mais justa, fraterna e solidária, consoante objetivo fundamental da República Federativa do Brasil estampado no inciso I do art. 3º  da Constituição Federal de 1988.

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[1] Sobejamente conhecido como “Mensalão”.

[2]  Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Edição Almedina p. 638.

[3] Art. 3º da CRFB. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- construir 

*Felipe Amorim Reis, Advogado, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, Especialista em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso e Presidente da Comissão de Estudos Constitucional da OAB/MT.

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