PRERROGATIVAS, UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA!

MATO GROSSO - 23ª SUBSEÇÃO DE CAMPO VERDE

Newsletter


Ir para opção de Cancelamento

Agenda de Eventos

Janeiro de 2025 | Ver mais
D S T Q Q S S
# # # 1 2 3 4
5 6 7 8 9 10 11
12 13 14 15 16 17 18
19 20 21 22 23 24 25
26 27 28 29 30 31 #

Notícia | mais notícias

Juízes viraram burocratas, diz futuro presidente da OAB

18/01/2007 09:34 | Avaliação

    Os juízes se distanciaram do cidadão comum, viraram burocratas bem remunerados e desconhecem a realidade dos municípios onde atuam, contribuindo para que o Brasil não saia da condição de "campeão em injustiça". A crítica aos magistrados faz parte do diagnóstico do futuro presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, sobre as causas da morosidade da Justiça no país.

    "Os fóruns estão sendo construídos fora da cidade. Muitas vezes o juiz nem conhece a cidade, entra na sala de audiência e vai embora. Vira um burocrata quando deveria ser o grande conhecedor da alma de sua cidade. Isso tem de voltar", diz Cezar, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco. Candidato único à sucessão de Roberto Busato, o atual secretário-geral da OAB terá sua eleição confirmada no próximo dia 31. A posse dele está prevista para o dia seguinte.

    Na avaliação de Cezar, além de se aproximar da comunidade, o Judiciário precisa ter mais "ousadia e coragem" para decidir contra o Estado, responsável pela maioria dos recursos judiciais que afogam o sistema. "Os juízes podem acabar com isso sem precisar que se mude a legislação. Basta fixar a litigância de má-fé para o poder público e mandar desentranhar os documentos que são protelatórios", observa. "Mas apenas ficam no discurso, no lamento e não tomam nenhuma decisão contra aquele que causa o emperramento do Judiciário. Isso não precisa de mudança na lei. É preciso ter mais coragem e ousadia", completa. O futuro presidente da OAB reconhece que os advogados também têm responsabilidade pela morosidade e pede aos colegas que evitem recursos meramente protelatórios.

    Movimentos sociais

    Aos 44 anos, Cezar Britto será o mais jovem presidente do Conselho Federal da OAB. Sobrinho do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, do qual foi sócio, o sergipano é casado há 21 anos e tem quatro filhos. Advogado trabalhista com atuação na defesa de sindicatos e organizações não-governamentais, promete aproximar a entidade dos movimentos sociais e intensificar a fiscalização das ações do poder público.

    "Só há sanguessugas, ambulâncias desviadas ou subfaturadas, porque o Conselho de Saúde não atuou lá no município. Combater a corrupção, por sua estruturação de séculos e capacidade de renovação, exige medidas mais modernas. Não se pode exigir isso só do Congresso ou da imprensa, nós cidadãos temos de fazer nossa parte", afirma.

    Em seu mandato, Britto diz que o Conselho vai encaminhar aos parlamentares uma série de iniciativas legislativas para tornar o Judiciário mais ágil. Na avaliação dele, o poder público é omisso ao não ampliar as defensorias públicas e ao permitir, por exemplo, que o cidadão seja atendido nos juizados especiais sem a presença de um advogado.

    Reforma política

    Nos últimos três anos, as críticas do atual presidente da entidade, Roberto Busato, ao governo Lula deixaram a Ordem em constante rota de colisão com o Palácio do Planalto. Com um perfil mais ligado aos movimentos populares, Britto diz que a reforma política será o grande teste do segundo mandato do petista. "Se ele quer um governo de cooptação, o que marcou o primeiro mandato, ou um governo de coalizão."

    No final do ano passado, a Ordem encaminhou uma proposta de reforma política ao ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro. Entre as mudanças sugeridas, estão o financiamento público de campanha, a fidelidade partidária e a instituição de uma espécie de "recall" para políticos.

    "Se nós tivéssemos um questionamento sobre o presidente da República, em vez de o Congresso entrar com pedido de impeachment, isso seria submetido à população. Não precisaríamos esperar quatro anos para saber se ele será reeleito ou não. Você pode fazer isso no meio do mandato. Isso é reconhecer o poder do soberano", exemplifica.

    Ameaça ao trabalhador

    Além da reforma política, também as mudanças na organização sindical, em tramitação na Câmara, despertam a atenção do futuro presidente da OAB. O advogado trabalhista diz ver com preocupação, por exemplo, o fim da unicidade sindical. Com a mudança proposta, poderão ser constituídas mais de uma entidade sindical do mesmo setor profissional ou econômico.

    "No sistema de pluralidade sindical proposto, o sindicato não atingirá mais sua área de abrangência, mas apenas os associados. Com isso, vamos ter empresas com acordo menor do que outras e mais pretexto para demissões. Há um risco de que o empregador só contrate aquele trabalhador ligado ao sindicato com menos direitos", adverte. Leia a íntegra da entrevista:

    Congresso em Foco - O senhor tem militância no movimento social e na área trabalhista. De que forma isso deve se refletir em sua gestão na OAB?

    Cezar Britto - A Ordem tem 600 mil advogados, está presente em 900 municípios dos 27 estados brasileiros e sempre teve uma posição social muito forte, tanto que se diz comumente que o presidente da OAB é o presidente da sociedade civil. Ampliar a Ordem na sua atividade social é conseqüência da própria história da OAB. O fato de eu ter origem no movimento social significa que vamos juntar pensamentos.

    Que pensamentos seriam esses?

    A própria Ordem é uma espécie de ONG porque seus dirigentes não são remunerados. Trabalham na dimensão de que temos de fazer nossa parte na melhoria do mundo. Minha atuação é muito forte no sentido de participar dos movimentos sociais. A advocacia trabalhista, área em que atuo, é uma espécie forte de advocacia social. Não tenho dúvida de que neste mandato a atuação social da ordem será muito forte. Não de forma elitista, achando que nós somos melhores do que as demais instituições, mas de forma parceira. Vamos tomar iniciativa em alguns casos; em outros, vamos participar lado a lado das demais entidades. Será uma atuação de cunho social muito forte. Vamos dar um estímulo maior à participação daqueles órgãos de controle de políticas públicas, os conselhos tutelares e de fiscalização de recursos públicos. Hoje a Constituição fala em participação popular. Temos de estimulá-la.

    De que forma isso se daria na prática?

    Hoje a Ordem tem assento em vários órgãos de controle de políticas públicas, como o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Vamos estimular a participação da OAB nesses órgãos comunitários. Só há sanguessugas, ambulâncias desviadas ou subfaturadas, porque o Conselho de Saúde não atuou lá no município. Combater a corrupção, por sua estruturação de séculos e capacidade de renovação, exige medidas mais modernas. Não se pode exigir isso só do Congresso ou da imprensa, nós cidadãos temos de fazer nossa parte. Por exemplo, o Estatuto das Cidades fala da necessidade dos planos diretores, o que pressupõe a participação da comunidade. Mas ela não participa dos orçamentos participativos nem sequer das associações de moradores. Vamos estimular essa forma de democracia direta. Precisamos estar cada vez mais próximos do cidadão.

    Na sua opinião, ainda predomina aquela visão elitista do advogado?

    A advocacia sempre foi tida como profissão nobre. É uma das mais antigas do Brasil. Em função disso, há esse ideário. Mas hoje a advocacia está diferente, ela tem uma capilaridade que nunca teve. O fato de sermos 600 mil advogados e estarmos presentes em todos os municípios significa que essa visão excludente de que são poucos os que cuidam dessa tarefa está acabando. Mas essa quantidade maior de advogados exige da Ordem uma demanda maior, não só corporativa, mas também institucional. Essa visão de elite existe, mas está sendo diluída com o tempo. Vamos contribuir para democratizar mais a imagem do advogado e fazer uma vinculação com a Ordem. Se a OAB é tida como uma das instituições mais respeitadas do país - e o advogado, não -, é preciso fazer essa vinculação de que a Ordem é ética e honesta porque o advogado também o é. Se os advogados elegem direções combativas e comprometidas com o avançar igualitário da sociedade, é porque este é o pensamento da advocacia. A idéia de fazer essa aproximação, o que já aconteceu neste mandato, vai ser intensificada no próximo.

    Mas ainda predomina no país a visão de que a Justiça é elitista e só satisfaz os ricos.

    O Judiciário tem um desafio muito forte de se popularizar. Isso tem de ocorrer até na linguagem, que é excludente. Nós temos um linguajar próprio, rebuscado, o que dificulta a compreensão. Isso tem melhorado com a TV Justiça. A população começou a se afeiçoar mais à linguagem do Judiciário e o Judiciário começou a ter uma linguagem mais fácil. É preciso que os juízes morem e participem da comunidade, coisa que havia no passado. As pessoas conheciam o juiz e o juiz conhecia as pessoas. Hoje nós temos um fenômeno muito complicado. Os fóruns estão sendo construídos fora da cidade. Muitas vezes o juiz nem conhece a cidade, entra na sala de audiência e vai embora. Vira um burocrata quando deveria ser o grande conhecedor da alma de sua cidade. Isso tem de voltar. O juiz precisa ter a compreensão de que tem de fazer justiça num país que é campeão em injustiça, e não apenas ser um servidor público bem remunerado com prerrogativas únicas. Servir bem é servir para o bem.

    O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou uma lista dos supersalários no Judiciário. A OAB estaria disposta a comprar essa briga para que os magistrados não recebem mais que o teto do funcionalismo?

    O Conselho Nacional de Justiça, uma conquista da cidadania, não pode se tornar mero órgão corporativo, de briga de juízes ou de discussão salarial. A função básica dele é contribuir para o aperfeiçoamento administrativo do Judiciário. A máquina é importante. Podemos ter os melhores discursos, mas se a máquina não corresponder a essas boas intenções, vamos ficar só na teoria. O CNJ tem de cuidar muito dessa questão macro. Como macro também é permitir que o juiz trabalhe bem e próximo da comunidade.

    Nesse sentido, a reforma do Judiciário ainda não vingou, ainda não conseguiu tornar a Justiça mais ágil?

    Duas reformas eram e continuam sendo permanentemente necessárias. Uma é a reforma da legislação, que precisa ser constante para acompanhar o avançar da sociedade. A outra, que é mais lenta e independe de modificação da própria legislação, é a mudança da própria mentalidade. O juiz tem de compreender que a omissão dele significa a manutenção de um sistema que é publicamente injusto. O juiz tem de entender que a parte que lhe cabe nesse latifúndio brasileiro é de promover a justiça. Há uma falha muito grande. Os processos são muito lentos, o julgamento nem sempre corresponde ao anseio do cidadão. Quase sempre a decisão é de proteção do Estado e esquecimento do cidadão. Hoje 90% dos processos que acumulam no Judiciário são de recursos repetitivos do Estado. O juiz pode acabar com isso sem precisar de legislação. Basta fixar a litigância de má-fé para o poder público e mandar desentranhar os documentos que são protelatórios. Mas apenas ficam no discurso, no lamento e não tomam nenhuma decisão contra aquele que causa o emperramento do Judiciário. Isso não precisa de mudança na lei. É preciso ter mais coragem e ousadia.

    Mas como o Judiciário pode ter mais coragem e ousadia?

    Essa matéria tem de ser discutida no CNJ. A Ordem terá de se aproximar mais das associações dos magistrados para formarmos uma grande corrente de responsabilidade. Quando falo em recursos protelatórios estou dizendo dos advogados também, que são os que recorrem. Precisamos trazer os advogados e fazer uma grande revolução no Judiciário, mostrar que a Constituição nos delegou uma tarefa importante e que ela não deve ser transferida para terceiros, só para o Congresso. Temos de resolver também internamente.

    Qual a parcela de culpa dos advogados para que o Brasil seja, como o senhor disse, um campeão da injustiça?

    Essa discussão nós vamos ter de implementar. Vou criar, tão logo assuma, uma comissão para apresentar ao Congresso uma proposta de combate à morosidade judicial. Estamos ficando a reboque de uma visão que vem muito mais do Judiciário em si do que do advogado, que é aquele que tem contato mais direto com a população. Vamos procurar modificar na legislação essa tarefa. A morosidade não interessa ao advogado. É um mito dizer que o advogado ganha com a morosidade. Ele ganha quando atende rapidamente aos anseios do seu cliente, ou seja, a necessidade de Justiça de quem procura o Judiciário. Vamos levar essa discussão, com órgãos de deliberação do Judiciário, ao Congresso. Vamos ter um diálogo mais forte com o Conselho da Justiça Federal, do CNJ e do CNMP. Nós também temos culpa pela morosidade no Judiciário. O problema não é unicamente de legislação.

    O senhor vê perspectiva de que esse cenário mude em curto prazo?

    Sou muito esperançoso. Se fizermos um pacto real de levar a justiça para os brasileiros, acho que sim. Acredito muito na boa intenção das pessoas. O Judiciário tem poder para isso na medida que os seus membros são inamovíveis, não podem ter seus vencimentos reduzidos e são vitalícios. São três requisitos para resistir ao arbítrio, à insensibilidade. Vamos tentar convencer as pessoas a cumprirem a função de fazer um Brasil melhor. Um bom passo é reconhecer os nossos erros. A Ordem vai reconhecer esses erros durante o mandato.

    Por que no Brasil temos a sensação de que só pobre vai para a cadeia, que basta ter advogado para escapar? Não há falhas nesse sentido também na legislação?

    Existe uma visão elitista e cômoda de se não reconhecer o cidadão como um sujeito que tem direitos. Permite-se, por exemplo, que nos juizados especiais o cidadão não tenha advogado. Há uma compreensão de que nas pequenas causas é desnecessária a defesa de alguém. É uma visão elitista que faz com que o cidadão se frustre. Como ele vai lutar por seus direitos quando, do outro lado, tem um grande grupo econômico com bons advogados. Nos juizados especiais as principais demandadas são as empresas de energia e telefonia, que têm grandes escritórios de advogados na sua defesa. Manter juizados especiais sem a presença de advogado é permitir que o cidadão seja vitimado por grandes grupos econômicos.

    O que fazer para evitar isso?

    Primeiro, ampliar as defensorias públicas. A função do advogado público é essa. Segundo, deixar mais claramente que, na impossibilidade da atuação da defensoria pública, o advogado pode fazê-lo sendo remunerado pelo Estado. A assistência ao necessitado é dever do Estado. Podemos atuar muito mais nessa parte de levar Justiça ao cidadão criando a obrigatoriedade de o cidadão ser bem defendido. Não vamos ter mais este problema: quem é bem defendido tem chance, quem é mau defendido não tem. A fórmula é outra: quem não tem defesa é que está preso. Existem causas para as quais não há advogados.

    Aumentou a corrupção ou a percepção da corrupção? Ou é um pus, como disse o ex-procurador Cláudio Fonteles, que está aparecendo por causa das ações da Polícia Federal e do Ministério Público?

    A democracia tem a virtude de deixar as coisas mais transparentes. O Brasil caminha para a democracia plena. Nela, instituições como o Ministério Público e a imprensa são fundamentais. Por isso, os escândalos são mais visíveis porque há vontade de querer acertar. Atribuo à democracia os escândalos de corrupção, porque eles não são novidade no sistema brasileiro. No passado a corrupção também foi forte, mas era escondida. Várias CPIs foram fechadas. Se tivessem funcionado, teriam revelado boa parte dos esquemas de corrupção que hoje encontramos hoje, até porque muitos deles tiveram origem em governos passados.

    Nesse sentido, o senhor percebe que houve um avanço no governo Lula?

    Teve avanço, e nem sempre por querer do governo Lula. Até porque boa parte das CPIs foi instalada e criada contra a vontade do governo, mas em função da democracia, do controle maior do Judiciário. A própria CPI dos Bingos foi aberta por determinação do Supremo Tribunal Federal.

    As denúncias de envolvimento de advogados com o crime organizado em São Paulo receberam o tratamento que mereciam por parte da OAB?

    O presidente Roberto Busato foi muito correto ao fazer a observação de que ali não estavam advogados, mas delinqüentes travestidos de advogados, como poderiam estar travestidos de agentes penitenciários ou juízes. Essa separação foi importante para tirarmos a imagem corporativa. Ali eram advogados criminosos, que mereciam o direito de defesa, mas não a defesa enquanto profissionais. A função de advogado é defender as pessoas contra a ação do próprio Estado.

    Outras medidas foram tomadas pela OAB?

    A segunda medida tomada pela Ordem foi uma propositura que encaminhamos para o Congresso Nacional criando mecanismos internos mais rápidos de cassação de advogados que delinqüiram. Com a aprovação desse projeto, podemos dar uma resposta mais rápida à sociedade e evitar a burocracia. No sistema atual você pode apenas suspender o advogado por 90 dias e esperar que, nesse prazo, todo o processo seja julgado, desde a seccional até a decisão do Conselho Federal. O que nós propomos é concentrar essa matéria numa câmara específica do Conselho Federal e, tendo repercussão nacional o fato, nós mesmos, aqui em Brasília, instruiríamos o processo. Estamos esperando que o Congresso atenda a essa necessidade, porque não podemos deixar de reconhecer que há delinqüentes que usam o diploma apenas para aperfeiçoar o crime.

    Mas a posição da OAB contra a revista dos advogados não repercutiu bem na opinião pública...

    A opinião pública não entendeu a posição da Ordem. A OAB não é contra que se reviste, mas tem de se revistar quem está à disposição do Estado, o preso. Se o cidadão está preso e vai conversar com o advogado, ele será revistado antes do encontro. Ele tem de ser revistado também depois de conversar com o advogado. Qual a possibilidade de um ser humano esconder uma arma ou um celular se for revistado na volta? Ah, mas há agentes corruptos que podem simular na volta. Ora, se ele é corrupto, também vai simular ao revistar o advogado. A questão não é revistar o advogado, mas combater o agente corrupto. A regra básica é que você não pode dificultar o acesso do preso à defesa, constranger as pessoas.

    A OAB apresentou uma proposta de reforma política ao Congresso. Quais as chances de esse projeto vingar?

    A reforma política é o grande teste do segundo governo Lula: se ele quer um governo de cooptação, o que marcou o primeiro mandato, ou um governo de coalizão. Trata-se do grande teste, a mãe de todas as reformas. O ministro Tarso nos pediu uma proposta, o que mostra sua boa intenção. Nós já a apresentamos. Há um consenso de que o texto que servirá de discussão é o texto da OAB.

    A proposta da OAB prevê financiamento público de campanha, fidelidade partidária e até uma espécie de recall político. Como seria isso?

    Isso é dar cumprimento à Constituição Federal, que fala que há duas formas de participação popular no controle do destino da nação: através da democracia representativa, quando escolhemos nossos representantes, ou da democracia direta. O que estamos propondo é a regulamentação dos mecanismos de democracia direta. Se o representante comete uma irregularidade, aquele que é o soberano pode cassar o mandato.

    O senhor poderia dar um exemplo?

    Se nós tivéssemos um questionamento sobre o presidente da República, em vez de o Congresso entrar com pedido de impeachment, isso seria submetido à população. Não precisaríamos esperar quatro anos para saber se ele será reeleito ou não. Você pode fazer isso no meio do mandato. Isso é reconhecer o poder do soberano. Se o soberano é o povo, o povo pode cassar a representação. Você faz isso com o seu advogado. Se o seu advogado não exerce bem a sua representação, você vai lá e revoga a procuração. É isso que nós queremos, que o cidadão possa revogar o mandato concedido quando houver má-fé ou desvio de finalidade daquele que se apresenta como o seu representante.

    O governo Lula encaminhou ao Congresso uma proposta de reforma sindical e diz que, só após aprová-la, vai discutir a reforma trabalhista. Mas a reforma sindical não avançou, para o bem ou para o mal do trabalhador?

    A inversão foi correta. O governo FHC queria fazer primeiro a reforma trabalhista e depois a sindical. Houve uma inversão neste governo de que é preciso antes fortalecer os agentes de negociação para depois permitir as negociações. Se os agentes frágeis, não há composição. Mas ficou só na intenção, porque o projeto da reforma sindical dorme em berço esplêndido no Congresso.

    A proposta de reforma sindical que tramita no Congresso favorece ou prejudica o trabalhador?

    É preciso que se faça uma reforma. O projeto involui em boa parte, mas evolui em outra. É preciso discutir essa matéria. A realidade tem mostrado que há um declínio muito forte no movimento sindical. É preciso restabelecer a importância da negociação sem aqueles preconceitos do passado de achar que quem cuida do movimento sindical é comunista ou bagunceiro. Mas na compreensão de que o direito ao trabalho é fundamental. Todos a ele estão diretamente vinculados, todos têm de saber como se discutem salário, décimo-terceiro, férias, tudo isso faz parte da nossa vida.

    Em que o projeto involui?

    Involui quando tira o poder do sindicato de defender toda sua base de extensão e diz que somente os associados podem ser beneficiários da ação judicial. O Brasil tem um desemprego endêmico, uma fragilização muito grande na relação empregado/empregador e uma terceirização muito forte. No sistema de pluralidade sindical proposto, o sindicato não atingirá mais sua área de abrangência, mas apenas os associados. Com isso, vamos ter empresas com acordo menor do que outras e mais pretexto para demissões. Há um risco de que o empregador só contrate aquele trabalhador ligado ao sindicato com menos direitos. A idéia da representação baseada na área de abrangência, que vem do direito italiano, é muito melhor do que a representação apenas para aqueles que são filiados aos sindicatos.

    Na reforma trabalhista o que deve ser discutido?

    Não sei o que deve ser discutido na amplitude. Sei o que não deve ser discutido: reduzir os direitos dos trabalhadores, na idéia de que o trabalhador é culpado pela ausência de competitividade. No Brasil, usa-se erroneamente a China como parâmetro. Mas lá os trabalhadores não têm direito a nada. Não dá para querer competir com a China, reduzindo direitos, sendo que os direitos no Brasil já são mínimos. Não podemos aceitar discutir a redução desse patamar mínimo que já temos.

    Qual a saída: reduzir os encargos trabalhistas?

    Claro, o governo tem de fazer a sua parte. É muito fácil o governo flexibilizar o direito das pessoas quando ele não flexibiliza o seu, quando se sabe que a carga tributária é muito pesada no Brasil, e não a redução dos direitos do trabalhador.

    Essa questão trabalhista tem de ser mais focada pela OAB?

    A OAB tem focado muito isso. Apenas vai dar continuidade, talvez pela vinculação do seu presidente com essa área. A OAB sempre se posicionou contra a globalização econômica e a flexibilização dos direitos do trabalhador. Vamos dar continuidade a essa tarefa.

    Ideologicamente como o senhor se define?

    Eu me defino como um dirigente de Ordem, que tem compromisso com a OAB e que, portanto, não faz da Ordem uma atividade partidária, até porque não sou filiado a qualquer partido político. A Ordem não é de centro, não é de direita, nem de esquerda. O presidente da OAB não tem opinião pessoal, apenas institucional. E sempre tive nela minha referência de atuação.
 

 

 
 
 
 
 
 


WhatsApp