*Francisco Faiad
Hoje é um dia muito especial para toda a advocacia brasileira. Nesta data se comemora "ou pelo menos deveria se comemorar" a criação dos cursos jurídicos no Brasil, precisamente nas cidades de Olinda (PE) e em São Paulo, em 1827. Trata-se de uma das três datas mais importantes do calendário da advocacia. Outras duas foram a fundação do Instituto dos Advogados Brasileiros, em 1843, e, posteriormente, a instalação da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1930. E para relembrar a história se faz necessário traçar as linhas presentes e, sobretudo, vislumbrar o futuro, hoje, com perspectivas pouco animadoras.
Muitos devem achar que se trata de excesso de zelo de nós advogados por triunfar sobre essa data. Mas não! A partir da lei que deu início aos cursos jurídicos no Brasil iniciou-se uma fase nova na cultura nacional. Os advogados passaram a ser parte da história que boa parte deles ajudou a construir. Assim, os cursos jurídicos contribuíram de forma decisiva para deixarmos a retórica e passarmos a ações bastante concretas de transformação da sociedade brasileira.
Nos primeiros anos, os estudantes assistiam aulas sobre análise da Constituição do Império, Direito das Gentes e Diplomacia. Porém, estava ali o embrião da mais espetacular perspectiva futura pela construção de um Estado Democrático. No curso da história vieram as instituições, entre as quais, a nossa Ordem dos Advogados essa que é, sem medo de errar, a mais democrática de todas as entidades brasileiras.
E lá se vão quase 180 anos. Precisamente, 179 anos de história. Muita coisa mudou no Brasil a partir desse ato imperial. Saímos do Império para a República, graças a bravura e também aos notáveis do saber jurídico. Vieram os anos de recrudescimento, Estado Novo, ditadura militar e tantos outros movimentos na qual a classe dos advogados, organizada em suas formas, esteve ora na resistência, ora na vanguarda em busca de um estado livre, soberano e democrático. Olhando para trás, temos como certo que o advogado um a um, na sua plenitude legal - foi fundamental para que chegássemos até aqui.
Todos esses anos de luta, no entanto, ainda não foram suficientes para que os privilegiados "do" poder e privilegiados "com o" poder entendessem o papel da advocacia no contexto do desenvolvimento sócio-cultural brasileiro e, tampouco, nas relações entre o cidadão e seus direitos fundamentais. Infelizmente, o poder dominante segue sendo duro e implacável com as liberdades democráticas, extrapolando as leis e a ordem. Acima de tudo, violando direitos consagrados ao longo da história escrita muitas vezes com sangue. Tudo ao arrepio das leis democráticas escritas com grande luta.
Um dos exemplos claro dessa situação diz respeito às prerrogativas do advogado, principal arcabouço das garantias fundamentais do cidadão. Tal lei ainda é interpretada como um privilégio de classe quando, na verdade, trata-se de direitos do cidadão. Ainda vemos advogados sendo calados pela força das ameaças dentro dos juizados e tribunais. As vezes, até pior: advogados sendo presos apenas porque quis assegurar o direito do seu cliente, expresso na lei. Não muito distante do tempo vivemos uma hemorragia de mandados de prisões e de pessoas sem acesso ao seu defensor. No afã da prisão cinematográfica, testemunhamos pessoas enlameadas ante a sociedade pela falta de critérios. E o que é mais grave: vimos advogados sendo deixados de fora das salas de interrogatórios.
Porém, jamais nos calamos. E jamais vão nos calar. Como disse no lançamento da campanha de fortalecimento da advocacia na comemoração do "Dia de Santo Ivo", padroeiro da advocacia brasileira, "ninguém vai tirar o nosso direito de advogar". Nem que para isso precisemos marchar a exemplo do que fizemos na luta pela redemocratização nacional - contra as instituições que querem sufocar a advocacia e "cassar" os direitos do cidadão. Exercer a advocacia com ética, coragem e dignidade não é um exercício de retórica. É concreto e necessário.
Antes de mais nada, somos defensores da sociedade. Por isso, nesta data, de comemoração, em nome da defesa da classe, convoco todos os advogados, independente de conceitos políticos internos, a nos unir em torno de um único ideal: o direito de advogar.