Quase um ano depois de rejeitar por unanimidade o pedido de indenização da família de Lyda Monteiro da Silva, vítima de uma bomba em 1980 na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Rio, a Comissão de Mortos e Desaparecidos do governo federal reconsiderou ontem a decisão e aprovou a indenização. O Estado, agora, reconhece a culpa pela morte da secretária e a considera uma vítima da ditadura.
Em março de 2005, a comissão indeferiu o pedido de Luiz Felippe Monteiro, filho de Lyda, por considerar que não havia comprovação do envolvimento dela, que trabalhava na OAB, em atividades politicas. Nesta quinta-feira a relatora do caso, a procuradora Maria Eliane Menezes de Faria, afirmou em seu voto que neste reexame foram levados em conta novos argumentos apresentados pelos familiares, inclusive o ambiente político em que ocorreu a morte de Lyda, "quando o país estava sob controle ditatorial, quando atos e atentados eram praticados no negrume desse ambiente carregado de ameaças e ações".
Ela disse que a OAB, na época, assumiu papel político. "Nesse contexto, é inevitável concluir que Lyda Monteiro, ao exercer suas atividades profissionais, praticava atividades políticas". A família terá direito a uma reparação que varia de R$ 100 mil a R$ 150 mil, mas como já recebe uma indenização do governo, o que já foi pago até hoje será descontado do valor a ser desembolsado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos.
Um dos mais traumáticos episódios da abertura do regime militar (1964-85), a explosão da bomba na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro aconteceu no dia 27 de agosto de 1980. A autoria do atentado foi atribuída a grupos de direita contrários à redemocratização, mas até hoje não se chegou aos culpados. O único indiciado no inquérito, Ronald James Watters, foi absolvido por falta de provas. Só no início de 2000, com base em depoimento da servente aposentada da OAB Dilza Fulgêncio, a Polícia Federal conseguiu concluir o retrato-falado do rapaz que deixou a carta-bomba na sede da entidade.
Naquele dia, chegou à sede da OAB uma carta endereçada ao então presidente da entidade, Eduardo Seabra Fagundes. A carta com explosivos foi aberta pela chefe da secretaria da entidade, Lyda Monteiro da Silva. A explosão causou tremor no andar inteiro do edifício e Lyda, de 59 anos, morreu a caminho do hospital. Os restos da mesa onde a carta foi aberta estão no Museu Histórico da OAB, em Brasília.
O acidente ocorreu no momento em que a OAB-SP e o presidente nacional da entidade faziam uma campanha pública para identificar agentes e ex-agentes dos serviços de segurança suspeitos de torturar o jurista Dalmo Dallari, sequestrado em julho do mesmo ano, em São Paulo.
O país vivia um momento crucial da abertura política. A anistia decretada pelo presidente João Figueiredo completava um ano e o país se preparava para a primeira eleição direta a governador depois do AI-5, em 1982. Cerca de seis mil pessoas foram ao enterro de Lyda, que se tornou palco de uma manifestação política. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, que ocupava interinamente a presidência nacional da OAB no dia do atentado, lembrou do episódio quando a explosão completou 25 anos:
A sociedade civil tomou mais conhecimento, pôde se mobilizar mais e ver que os atentados não eram direcionados só aos que tinham optado pela resistência armada à ditadura, mas até a entidades como a OAB. Ninguém mais tinha segurança.