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História: Carta-bomba enviada a OAB matou dona Lydia

26/08/2005 13:49 | Serviços prestados

    Há exatamente 25 anos, por obra de grupos extremistas de direita contrários à abertura política, explodia uma carta-bomba endereçada à avenida Marechal Câmara, 210, 6° andar, centro da cidade do Rio de Janeiro. Ali funcionava o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o destinatário da sinistra correspondência era seu então presidente, Eduardo Seabra Fagundes. A chefe da Secretaria da OAB, dona Lydia Monteiro da Silva, ao voltar do almoço e abrir a carta, foi a vítima. A explosão fez tremer o andar do edifício, além de arrebentar com a mesa de dona Lydia, que veio a falecer no caminho para o Hospital Souza Aguiar. O que restou da mesa está exposto hoje no Museu Histórico da OAB, que pertence ao Centro Cultural Evandro Lins e Silva da entidade e está situado no Setor de Autarquias Sul quadra 5, lote 2, bloco N, em Brasília.

    A explosão ocorreu 13h40 do dia 27 de agosto de 1980. A funcionária Lydia Monteiro da Silva, então com 59 anos de vida e 44 de serviços prestados à OAB, foi fatalmente vitimada. O atentado ocorreu quando a Seccional de São Paulo e o presidente nacional da Ordem, na qualidade de delegado do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana-CDDPH, insistiam na identificação de agentes e ex-agentes dos serviços de segurança suspeitos das agressões sofridas pelo jurista Dalmo Dallari - sequestrado em 02 de julho de 1980, em São Paulo.

    Cerca de seis mil pessoas participaram do enterro da funcionária Lydia Monteiro, realizado em tom de protesto, a despeito da posição da família, que não desejava o cortejo transformado numa manifestação política. Partindo da sede da OAB em direção ao cemitério São João Batista, em Botafogo, a caminhada de 8 km foi marcada por faixas de protestos e acompanhada pelo 5.º Batalhão de Polícia Militar se estendendo por cerca de três horas e meia. Segundo reportagem da Revista IstoÉ, de 3 de setembro de 1980, houve quem se lembrasse do tenebroso ano de 1968 e de episódios como o enterro do estudante Édson Luís - que antecederam o período mais negro da história da República. ?Todo o percurso foi cumprido ao som do Hino nacional e das palavras de ordem "O povo indignado repudia o atentado" ou "Chega de omissão, exigimos punição". (...) Das janelas dos edifícios vinham manifestações de solidariedade. Muitos moradores aplaudiam e alguns acenavam com panos negros?.

    Sua morte brutal e trágica marcou profundamente a Ordem dos Advogados do Brasil desde o primeiro instante. O Conselho Federal empenhou-se em ver o caso apurado, mas não teve êxito. Vários apelos foram realizados na primeira sessão, logo após o atentado, quando a exaltação era predominante e no ano de 1994, quando a OAB tentou em vão desarquivar o caso. Até hoje o nome Lydia Monteiro da Silva aparece como um estigma de impunidade ressaltando a inoperância e a desatenção do governo com relação aos setores contrários à abertura do regime.

    Em 09 de setembro de 1980 o presidente interino, José Paulo Sepúlveda Pertence, abriu a sessão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com uma mensagem veemente:

    "Iniciamos a primeira reunião, por assim dizer, normal deste Conselho, depois do sangrento episódio de 27 de agosto, que a todos nos vitimou e, conosco, a toda a sociedade civil brasileira. Não obstante o trauma ainda vivido, é preciso retomar a rotina de nossas atividades institucionais. Mas, não é possível fazê-lo, antes de lembrar que faz treze dias da morte brutal de nossa inesquecível D. Lydia. E até agora nada prenuncia a apuração do crime terrorista.

    Nesta apuração, solene e pateticamente, se disse empenhada a honra do próprio Governo. E não há porque duvidar da sinceridade dos que o proclamaram. Ao menos, enquanto tradução do repúdio moral de homens de bem à selvageria do fato. No entanto, mais que a honra das autoridades, e mesmo mais que a legitimidade do regime, é a eficácia do poder constituído que está posta em questão. Quando a difusão do medo não é método do próprio Governo - e não temos porque suspeitá-lo - a intranquilidade pública, gerada impunemente por marginais da atividade política, é prova de desgoverno. Por isso, nessa quinzena de sombrios boatos tornados verossímeis pela tragédia da Ordem, a confiabilidade do Poder Público foi golpeada fundamente: a cada escola que dispensava os seus alunos, a cada edifício evacuado às pressas, a cada escritório, a cada oficina que interrompia o seu trabalho, e até a cada cidadão que não encontrava, na banca de hábito, o jornal pretendido. Por isso, ainda que estrepitoso e autêntico o anúncio da repulsa moral dos governantes ao terrorismo, a Nação exige mais. A sociedade espera, ainda em vão, por um ato político, que dê testemunho e segurança do engajamento efetivo do poder do Estado, na decisão de apurar e reprimir os crimes de terrorismo. Enquanto estes, de gravidade menor, poderiam ter sido contidos por uma simples investigação policial eficiente, até esta foi negada, como hoje acentua, na imprensa, o presidente Eduardo Seabra Fagundes. Agora, quando a impunidade dos fatos anteriores conduziu ao homicídio covarde, a dimensão do problema, como notou Raymundo Faoro, reclama uma solução política, não bastando mais a aparente mobilização dos instrumentos policiais, sem que ao menos se dê aos seus agentes de boa fé a garantia de que podem apurar sem temor. A opinião pública não se engana mais. E repele as encenações de ópera bufa, à custa de pobres paranoicos de arraial, com que alguns ainda tentam engodá-la. Ela sabe de onde pode realmente estar partindo a espiral da violência. A imprensa mais insuspeita ao sistema de poder já dá conta da atividade desafiadora de grupos organizados, para torpedear a todo o custo a relativa liberalização política em curso. E não pode mais esconder a evidência de que deles participam - até por temor à descoberta das atrocidades cometidas - integrantes, atuais ou não, do aparelho repressivo montado na época mais negra do regime autoritário. Se nesses setores está a verdade sobre os atentados, a sua revelação não maculará a honra do Governo de hoje. Ao contrário. Só assim se dará prova, não apenas de que os terroristas já não estão no poder - do que não se pretende ter dúvidas - mas também que o poder constituído não os teme, e que as verdades que eles possam trazer à tona já pertencem à História. O que a Nação não quer é ser forçada a acreditar na vigência, ainda hoje, de um pacto de silêncio solidário entre o poder legal e os porões de uma ditadura, que se diz e que preferimos reputar ultrapassada. O que se espera é não ser levado a crer, ainda agora, na veracidade de murmuradas transações, nas quais a cessação dos atos de terror custaria não apenas a impunidade dos crimes praticados, mas também a parada ou a reversão do processo político da democratização jurada deste País. Para não crer em nada disso é que os advogados, cremos e confiamos, reclamando-a e cobrando-a, na punição dos culpados pela morte da inocente que pranteamos.

    O Conselheiro Benedito Calheiros Bonfim, na mesma sessão, apresentou indicação para que o Conselho Federal se solidarizasse com o presidente Figueiredo em seu propósito (anunciado publicamente) de apurar as responsabilidades pelas práticas dos atentados, punindo seus autores e prosseguindo, a qualquer custo, no processo de redemocratização; e ainda, ponderando à Sua Excelência que a melhor maneira de conseguir apoio de todos os segmentos da sociedade civil para a consecução dessa tarefa seria suprimindo a Lei de Segurança Nacional, realizando eleições diretas e livres em todos os seus níveis e convocando uma Assembleia Nacional Constituinte. Foi designado relator da matéria o Conselheiro Waldemar Zveiter que, acolhendo a sugestão do Conselheiro Victor Nunes Leal, considerou em conjunto a mensagem de Sepúlveda Pertence (para que fosse enviado telegrama ao presidente da República pleiteando providências na tentativa de afastar qualquer pretexto do Governo para recusar-se às apurações), e a do Conselheiro Calheiros Bonfim, com a modificação do termo solidariedade por confiança, o que foi aprovado pelo Conselho.

    O presidente Seabra Fagundes, em sessão de 11 de novembro de 1980, fez considerações sobre o episódio Lydia Monteiro da Silva, mostrando a ausência de uma investigação séria por parte das autoridades competentes. Seabra afirmou que era a hora da OAB manifestar o seu inconformismo, pois todos os prazos estavam a esgotar-se sem que a nação fosse colocada a par das investigações.

    Sugeriu então que, a partir dessa data, fosse guardado um minuto de silêncio em cada sessão plenária dando, ininterruptamente, conhecimento dessa atitude ao Ministro da Justiça. O Conselheiro Evandro Lins e Silva, em acordo com o presidente, propôs que todas as sessões de todos os Conselhos Seccionais e Subseccionais da Ordem fossem iniciadas com um minuto de silêncio, na concretização de um eloquente protesto mudo, sem excluir a manutenção de diálogo com as autoridades. A proposta do presidente com o aditivo de Evandro Lins e Silva foi aprovada por unanimidade, tendo o Plenário aguardado de pé um minuto de silêncio como protesto pelas omissões, devendo-se dar conhecimento do fato ao Ministro da Justiça.

    O Conselheiro José Júlio Cavalcante de Carvalho, na mesma sessão, lembrou o pronunciamento da OAB em nota oficial, publicada em julho de 1980 nos principais jornais do Rio e de São Paulo, sobre o episódio do atentado contra o jurista Dalmo Dallari, acrescentando que o temor mencionado - de que os fatos ocorridos instaurassem "o contraditório da violência, terreno fértil para as soluções providencialistas, das quais sempre se valem os adeptos dos regimes totalitários"- era procedente, pois decorridos apenas dois meses, um brutal e covarde atentado contra a Ordem ceifava a vida da funcionária mais antiga, tão brutal que ficou conhecido como o "episódio D. Lydia".

    "...A violência física e materia_2009l foi de tal ressonância que o próprio presidente da República reagiu com declarações que chegaram a inquietar a Nação brasileira, posto que enfatizou ele que lançassem as bombas sobre si e deixassem os inocentes em paz. No entanto, tais palavras acabaram por se desgastar e cair no vazio, uma vez que as providências que deveriam acompanhá-las não são do conhecimento desta Casa. E o que é mais grave: mais de dois meses decorridos o atentado vai descambando para a rotina, subtraído do seu conteúdo político, e cujo silêncio reflete um descaso inqualificável, garantindo uma qualificada impunidade. Se, de um lado, a OAB contribui para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas - uma das qualidades dessa instituição - nem por isso pode deixar de colocar em realce que, por outro lado, deve ela velar pela sua dignidade e independência, a ponto de ser chamada não de Ordem dos Advogados Brasileiros e sim Ordem dos Advogados do Brasil, já que é ao país que ela terá de servir em primeiro lugar. - Ora, não há mais leve dúvida de que temos sabido desempenhar o papel histórico reservado à classe dos advogados. E os exemplos são recentes. São de ontem. Bastando recordar que nos primórdios da decantada abertura política pôde a Ordem dos Advogados do Brasil, em meio a missão Petrônio Portela, fazer um diagnóstico da crise que se abateu sobre o nosso país, e, por igual, contribuindo para a terapêutica correspondente, isso nos dá autoridade moral para reclamar contra a perplexidade em que continuamos mergulhados ao longo destes dois meses e meio, já que as desculpas sucessivas - por parte de quem de direito - são propostas vazias de solução às quais, além de faltar consistência e convicção, não merecem credibilidade, mercê de escamotearem o essencial, exibindo apenas o acessório. - Não há dúvidas, Sr. presidente, de que os órgãos encarregados da apuração do episódio dona Lydia precisam demonstrar franqueza, e que seja esta induvidosa, a fim de que possam os órgãos adquirir a confiança da sociedade brasileira. e dentro desta linha de raciocínio, e para que o brado de V. Ex. a., Sr. presidente, não seja intencionalmente conduzido por forças interessadas - como está parecendo - para o desgaste e o vazio a que me referi inicialmente, é que me permito, em nome pessoal - saindo do silêncio que me impus sobre o atentado durante todo esse tempo - lançar ao exame deste Colegiado as seguintes reflexões: a) a conveniência de ser dado conhecimento ao plenário - ainda que de forma reservada - do inteiro teor do laudo pericial elaborado pelo Perito Villanova, devidamente contratado pela OAB; b) ser feita uma Reunião Plenária - dedicada especialmente ao episódio Lydia Monteiro da Silva - para que delibere este Conselho sobre a sua inequívoca e definitiva posição perante a Nação, à vista do incômodo e indevido silêncio que sobre ele vêm dedicando as autoridades Federais competentes."

    A proposta do Conselheiro José Júlio foi aprovada por unanimidade, e o presidente Seabra Fagundes colocou o laudo à disposição dos Conselheiros, em seu gabinete, para que fosse examinado. Quanto à sessão extraordinária, designou a primeira sessão logo após o último dia do prazo para a conclusão do inquérito.

    No mesmo dia do atentado, através da Resolução n.º 120/80, o presidente Seabra Fagundes criou a Comissão de Direitos Humanos no Conselho Federal da OAB e apresentou os 14 nomes eleitos para sua composição: Barbosa Lima Sobrinho, Dalmo de Abreu Dallari, Evandro Lins e Silva, Heráclito Fontoura Sobral Pinto, Bernardo Cabral, José Cavalcanti Neves, José Danir Siqueira do Nascimento, Sepúlveda Pertence, José Ribeiro de Castro Filho, Miguel Seabra Fagundes, Nilo Batista, Raul de Sousa Silveira, Raymundo Faoro e Victor Nunes Leal.

    Ronald Watters, acusado como responsável pelo atentado à sede da OAB, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, de 23 de maio de 1999, revelou que houve, à época, toda uma estratégia para afastar qualquer suspeita sobre a participação de militares no ato terrorista. O governo teria acionado a Polícia Federal na montagem de uma operação usando Watters no papel de bode expiatório em troca de dinheiro e uma fuga tranquila para o exterior. Segundo Watters, o delegado federal José Armando Costa, responsável pelo inquérito da bomba da OAB, sugeriu que ele fosse a Brasília para confessar o crime ao então ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. "O Armando (José Armando Costa), delegado responsável pelo inquérito, fez uma proposta para eu ir a Brasília, conversar com o Abi-Ackel e admitir que eu tinha sido o responsável por aquele atentado. Depois eles me dariam fuga e, concomitantemente, uma cooperação, uma polpuda ajuda financeira", relatou Watters. Segundo o agrônomo e suposto ex-agente da CIA, o que sempre negou veementemente, a decisão de apontá-lo como responsável teria partido do chefe da Casa Civil do governo João Figueiredo, Golbery do Couto e Silva. Watters disse que a proposta foi ouvida por um agente da Polícia Federal chamado Dirceu, que estava atrás da porta do apartamento onde ele estava detido, no presídio de Água Santa, Zona Norte do Rio.

    A acusação contra Watters foi retirada logo após a explosão do Riocentro, que teria sido o maior indício, na sua opinião, de que os atentados partiam de um grupo organizado e não contavam com a sua participação. ?Quando a bomba do Riocentro explodiu, eu estava preso. E foi uma verdadeira festança. O então capitão Astério Pereira dos Santos, hoje muito meu amigo, e outros oficiais do presídio onde eu estava detido ficaram satisfeitíssimos. Inclusive me disseram: Puxa vida, Ronald, isso é mais uma prova de que você não tinha absolutamente nada a ver com a OAB?, contou.

    Segundo Watters, além de suas conhecidas relações com o grupo de extrema-direita que praticava os atentados - nos quais ele garante jamais ter se envolvido -, pesou na decisão de apresentá-lo como culpado sua ficha de antecedentes.

    Em 1962, Watters foi preso pela primeira vez, acusado de um atentado a bomba na Exposição Soviética que se realizava em São Cristóvão, Rio. A bomba, que não explodiu, teria sido montada com explosivos armazenados numa sala do Edifício Avenida Central alugada por Watters. "Emprestei a chave ao coronel Carlos Ardovino Barbosa, chefe do policiamento ostensivo da Guanabara", afirmou Watters. "Nunca poderia imaginar que o Ardovino fosse entregar a chave para este bando de desvairados do MAC (Movimento Anti-Comunista).

    Fizeram ali nada mais nada menos do que o depósito de uns 200 ou 300 quilos de bananas de dinamite?.

    O coronel Alberto Fortunato no livro ?A direita explosiva no Brasil? contou ter sido o responsável pela preparação da bomba, com dez bananas de dinamite. Watters ficou preso alguns meses no Regimento Caetano de Faria, da Polícia Militar, acusado de pertencer a uma célula terrorista de direita.

    A acusação foi usada como pretexto para sua prisão, em outubro de 1980, dois meses depois do atentado à OAB. Watters foi apontado pela Polícia Federal como suspeito não só de ter enviado a carta-bomba que matou a secretária Lyda Monteiro e que explodiu na Câmara Municipal do Rio, mutilando José Ribamar Sampaio Freitas. A Polícia Federal apontou Watters como remetente também da carta-bomba que não explodiu na Sunab, órgão já extinto do governo federal que cuidava do abastecimento.

    Se não serviram para manter Watters preso, as acusações não comprovadas também não levaram à pretendida indenização pleiteada por ele na Justiça - e que pretende voltar a pedir em breve, caso se comprove quem foram os autores do atentado. Apesar disso, Watters diz que jamais se livrou da má fama. "Uma vez, num avião da Ponte Aérea, uma senhora me reconheceu, virou para o marido e gritou: Neste vôo eu não vou! O terrorista está aqui!", contou 


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